Plano Terapêutico

Um pouco de história

Por volta de 1784, o Dr. Benjamin Rush torna-se o primeiro Americano a pronunciar problemas de dependência etílica como doença, fazendo referência a uma doença progressiva, identificando diferentes fases. Inicialmente, Rush não condenava o consumo de cerveja ou vinho. Referia que, consumidos em quantidades moderadas, promoviam saúde, mas rapidamente identificou que o caminho certo seria sempre o da abstinência total. Anos mais tarde, começam a surgir relatos de grupos de pessoas dependentes que afirmavam “sentirem-se bem” quando falavam com outros indivíduos em dependência e sobre o impacto que a substância etílica tinha nas suas vidas. Começam, de igual modo, a nascer grupos fundados por dependentes que ajudavam outros dependentes, como o “Washingtonian Temperance Society” (1840) e o “Women´s Christian Temperance Union” (1874).

Até 1930 os americanos ignoravam os problemas da dependência etílica, estando mais focados na Grande Depressão e na 2ª Guerra Mundial. Estes eram fechados em hospitais juntamente com doentes mentais, eram presos ou eram ignorados, sendo a questão da dependência negada e considerada como uma fraqueza ou doença moral.

Em 1935, surgem dois nomes bastante importantes para o desenvolvimento do tratamento da dependência etílica, assim como para o Modelo Minnesota: Bill Wilson e Bob Smith, fundadores dos Dependentes Anónimos (AA).

Anos mais tarde, entre 1940 e 1950, começam, no Estado de Minnesota, nos E.U.A., algumas experiências para tratamento da dependência etílica. Estas surgiram em 3 centros: Pionner House, Hazelden e Willmar State Hospital. Este acontecimento foi como que uma revolta contra a cultura e ideias da época de como os dependentes de bebida deveriam ser tratados, como referido anteriormente, e a sua filosofia assentava toda nos princípios dos AA.

Estes, de uma forma geral, são os seguintes:

  1. Ser Honesto – todas as pessoas beneficiam com este princípio, apesar de haver uma tendência universal em se negar o que é desagradável, em evitar falar nos factos negativos, exagerando-se nas forças e minimizando as limitações;

  2. Juntar-se aos Outros – quando se quer fazer mudanças longas no comportamento, deve-se juntar a outras pessoas que tenham esse mesmo objetivo. Admitir as dificuldades e admitir ser necessária a ajuda mútua, poderá transformar limitações em forças;

  3. Virar-se para um Poder Superior – acreditar em algo superior que possa ajudar;

  4. “Limpar a Casa” – Contar a verdade aos outros. O que fizeram devido à dependência etílica e depois reparar os danos provocados;

  5. Ficar em forma – as pessoas em recuperação (deixar de beber e adquirir um estilo de vida saudável) necessitam de ficar em forma física, social, emocional e espiritualmente. Importante, também, fazer meditações, rezar e exercícios que renovem os antigos hábitos de pensar;

  6. Ajudar o Outro – Para as pessoas em recuperação o receber é inseparável do dar. Inicialmente, é necessário receber; mais tarde, é importante dar. Apenas dando aos outros se consegue manter o que se tem.

O Pionner House foi o 1º centro de tratamento no Minnesota. Patrick Cronin, a 1ª pessoa reconhecida a ganhar sobriedade através dos AA, deparou-se com o fato de não haver reuniões na sua cidade. Assim, tentou criar um pequeno grupo de autoajuda num apartamento em Minneapolis. Contudo, e devido às ideias e cultura que, ainda, estavam definidas na época, a população de Minneapolis não aceitou muito bem este fato, o que não permitiu a criação deste grupo. Porém, convicto de que era necessário continuar com o programa de AA, de modo a ser ajudado e a ajudar os outros, Cronin conseguiu um espaço, em 1948, para receber reuniões de AA, assim como pessoas que necessitavam de apoio. Este foi chamado de “Pionner House”, onde cada residente recebia uma cópia do “Big Book” – o texto básico dos AA – e outros materiais de literatura dos AA, como os “12 Passos” e as “12 Tradições”.

Os “12 Passos” foram a base do tratamento em Pionner House, onde Cronin, responsável pelo centro, se focava mais nos Passos 4 e 5, que referem “os inventários pessoais” e a sua partilha a uma outra pessoa. Pionner House, hoje um centro que oferece ajuda a adolescentes com problemas de dependência química (DQ), será sempre lembrado como o primeiro centro baseado na filosofia de AA, no Minnesota, que ajudava os dependentes etílicos das ruas de Minneapolis.

O centro Hazelden é, por sua vez, associado a Richard Coyle Lilly, igualmente dependente etílico. Em 1947 comprou terrenos perto de Center City, em Minnesota, que, posteriormente, vendeu a um grupo de empresários que queriam construir um centro de tratamento para indivíduos dependentes. Inicialmente, foi um centro apenas para empresários dependentes, que também seguiam a filosofia de AA, em 1948.

Hazelden tinha 4 expectativas para os seus pacientes: praticar comportamentos de responsabilidade, assistir a palestras sobre os 12 Passos, envolver-se com outros pacientes e fazer as suas camas. Outra inovação foi a integração de um conselheiro (dependente em recuperação e pessoa habilitada no tratamento de dependências) como residente do centro.

Por outro lado, Hazelden criou o “Fellowship Club”, um “Half-way”, centro que permitiria aos pacientes que acabassem o tratamento primário continuar a ter ajuda e trabalhar a sua reinserção, já que muitos não tinham trabalho nem casa. De igual forma, criou o “Dia Linn”, um centro para mulheres, em 1956.

Relativamente ao “Willmar Hospital”, este recebia pessoas dependentes de bebida e doentes mentais e não fazia diferenciação destes dois tipos, ou seja, fazia desintoxicações e encaminhava os dependentes para junto dos doentes mentais.

Quando Nelson Bradley, um médico, chegou para responsável do hospital, levou Daniel Anderson para diretor. Este decidiu alterar e implementar um conjunto de situações: passou a separar os dependentes etílicos dos doentes mentais, introduziu uma política de porta aberta e introduziu indivíduos em recuperação como conselheiros. Com isto, foi criado um novo movimento, em 1954, de Aconselhamento na dependência etílica. Assim, membros de AA juntaram-se a psiquiatras, psicólogos e assistentes sociais no tratamento da dependência de substância etílica e de outras drogas.

O programa de Willmar foi o primeiro a desenvolver uma abordagem multidisciplinar, cujo resultado foi uma combinação de Psicologia Clínica, Medicina e práticas de AA que se começou a chamar de Modelo Minnesota. Introduziu, também, uma série de novas ideias revolucionárias para a época:

  1. A dependência etílica existe: as pessoas tinham dúvidas sobre a sua existência e não queriam olhar nem acreditar nas suas consequências e poder. Anderson combateu esta ideia com fatos e sinais de que, de fato, a dependência existia;

  2. A dependência etílica é uma doença: as ideias da época relatavam que com “força de vontade” se poderia deixar de beber. Anderson introduziu conceitos de que o dependente estava impossibilitado de parar de beber e demonstrava perda de controle;

  3. O dependente etílico não tem culpa de ser dependente: anteriormente, havia a ideia da questão da fraqueza moral. Só bebia quem era “fraco” moralmente;

  4. A dependência etílica é multifacetada: começou-se a tratar os pacientes de forma holística – física (consequências físicas do abuso da bebida), emocional (os ressentimentos, os medos e arrependimentos que levavam ao isolamento e à negação) e espiritual (acreditar que sozinhos não conseguem parar);

  5. A dependência etílica é crónica e primária: levou os técnicos a tratar primeiro a dependência e não questões emocionais. Por outro lado, abandonou-se a ideia de curar e iniciou-se um tratamento com o objetivo de ensinar os pacientes a viverem com a sua condição de forma totalmente abstinente;

  6. A motivação inicial no tratamento não influencia o sucesso do mesmo;

  7. A informação sobre a dependência etílica deve começar na comunidade.

Willmar foi, de igual modo, o primeiro centro a admitir pessoas com dependências de outras substâncias, e Daniel Anderson introduziu o termo “dependência química”. Surgiu, também, o termo “adicções cruzadas”, isto é, uma pessoa adicta a uma substância pode ser vulnerável a desenvolver dependências a outras. Neste sentido, os profissionais concluíram que os dependentes etílicos e outros adictos podiam ter sucesso no tratamento se tratados em conjunto. Todos estes conceitos trouxeram a ideia de tratar em vez de curar. Desenvolveu-se o aparecimento do “Só por Hoje”, de forma a ajudar os pacientes a lidarem com o fato de viverem a abstinência dia-a-dia e não para toda a vida.

Com este conjunto de questões, Anderson e os seus colegas depararam-se com um problema: o que fazer com os pacientes durante o dia? A solução passava por duas dimensões: a primeira, criar um ambiente de tratamento que fosse todo ele terapêutico; a segunda, promover que os pacientes ajudassem uns aos outros.

Deste modo, através de conversas supervisionadas por profissionais, os pacientes podiam partilhar as suas histórias e o que tinham em comum: a vida destruída pelas substâncias psicoativas e pela bebida etílica. Neste sentido, desenvolveu-se o conceito de “identificação”: “eu não estou sozinho”, “o que me aconteceu também acontece com outras pessoas”. Para tornar o ambiente ainda mais poderoso, mais intensivo e com maior interação entre os pacientes, Anderson retirou os dependentes das instituições mentais, criando uma área de tratamento diferente.

Foi, de igual modo, ultrapassada a barreira entre os profissionais e pacientes, proporcionando mais confiança e autorrevelação; estes começaram a participar em pequenas sessões de grupo que se focavam em objetivos específicos de recuperação: lidar com ressentimentos, fazer reparações de danos causados, por exemplo. Desenvolveu-se a importância das palestras sobre sinais e sintomas da dependência etílica e a ideia de que ao ajudar os outros, está-se a ajudar a si próprio. Por outro lado, aparecem as sessões de terapia individual.

Os pacientes começam a fazer tarefas diárias, como trabalhos na biblioteca, lavandaria, cozinha, manutenção da casa. Modificou-se o tempo de tratamento, que ao invés de ser meses e anos, começou a ser de curta duração, focando-se em mudanças de comportamento no imediato e não em procurar e curar as causas da dependência etílica.

Com todas estas mudanças, o modelo teve dois grandes objetivos: ensinar o paciente a desaprender o estilo de vida autodestrutivo e promover a abstinência de todas as substâncias. Por outro lado, apresentou 3 principais perspectivas: tratar os pacientes com dependência química (DQ) (em vez de os ignorar, julgar ou colocar em hospitais para tratamentos de doenças mentais), tratá-los com dignidade (a mensagem de que era essencial tratá-los com respeito) e tratá-los de forma holística (físico, mente e espírito).